Resenha Filme “Que horas ela volta?”

Resenha Filme “Que horas ela volta?”

The Second Mother

R 112 min NACIONAL

7.9
IMDb 7.9/10 6,111 votos

28 Aug 2015

20 vitórias & 8 nomeações.

Sinopse


Em meio à enxurrada de filmes cômicos, de ação, terror, entre outros, enfiados goela abaixo nos cinemas brasileiros, eis que surge “Que horas ela volta?”, escrito e dirigido por Ana Muylaert. Lançado em 25 de agosto de 2015, a trama mostra que o cinema nacional não é só feito de comédias (sem graça) exibidas ano a ano como preferência do púbico. O filme é uma crítica dura à desigualdade social brasileira.

A obra conta a história da pernambucana Val, interpretada por Regina Casé, que viaja para São Paulo em busca de uma vida melhor para sua filha, Jéssica, que acaba permanecendo no nordeste brasileiro. Chegando à cidade, a mulher arruma emprego na casa de uma família de classe média alta, onde passa a morar e trabalhar como babá e empregada doméstica. O tempo passa e Val se distancia da filha, que treze anos depois a contata dizendo que precisará se juntar a ela, pois irá prestar vestibular para uma universidade da capital.

Regina Casé interpreta de forma formidável a humilde e simpática Val. Simples e comovente, a personagem é tão próxima da realidade brasileira que faz-nos sentir em casa, nos transportando para dentro do filme. Durante as cenas, rimos com a ingenuidade e sinceridade da personagem, ficamos irritados quando a mesma é tratada mal, enfim, nos tornamos defensores da cativante Val. Destaque também para a interpretação de Karine Teles, que vive a patroa, Bárbara. A atriz desempenha o papel de forma convincente, desde a expressão de arrogância e superioridade à forma de falar e de andar. Em muitos momentos queremos entrar na tela e falar umas verdades para a “megera”.

Já a filha de Val, vivida por Camilla Márdila, também não passa despercebida. A menina é um dos pontos altos do filme e muda grande parte do percurso da história. Diferente da mãe, Jéssica não aceita o título de inferior aos patrões e tanto faz que acaba conquistando a ira de Bárbara, que, mesmo de forma modesta, sempre acha um jeito de fazer com que mãe e filha sejam colocadas em seus “devidos lugares”.

O tema de denúncia do filme chegou na época perfeita, em que uma das questões mais discutidas da sociedade é a desigualdade e a democracia. A autora nos apresenta um cenário onde, bem ou mal, duas famílias vivem sob o mesmo teto. Uma é a família rica da alta sociedade e a outra a “proletária”, que vive em função e para a primeira. A cena em que Jéssica é empurrada para dentro da piscina da casa dos patrões mostram esse fato. Minutos depois, Bárbara liga para um funcionário responsável pela limpeza da piscina e ao comunicar Val, mente dizendo que tinha visto um rato na água. Jéssica logo entende quem era o “rato” da história.

Outro momento importante do filme, que denuncia o preconceito entre as classes, é uma das cenas de discussão entre Val e a filha. Jéssica questiona, de forma sarcástica, onde a mãe teria aprendido que não pode fazer isso ou aquilo, e a mesma reponde que “a pessoa já nasce sabendo o que pode e o que não pode”. De forma indireta (ou direta), o roteiro faz uma crítica à política criada para separar o rico do pobre, onde, obviamente, o segundo é o mais prejudicado.

Uma das partes que mais chamam a atenção é o momento em que Val, pela primeira vez, após anos de trabalho, entra na piscina da casa. Este é o momento em que a personagem finalmente parece ter refletido sobre sua vida naquele lugar. Nas cenas seguintes, a mesma pede demissão do trabalho e vai morar com a filha na sonhada casa paga com as economias acumuladas há anos.

A cena final do filme é, sem dúvidas, uma das mais bonitas da obra. Depois de descobrir que Jéssica tinha um filho de três anos, Val pede para a filha, que passou no vestibular da temida Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), trazer o neto para viver com elas em São Paulo. Neste momento, a personagem vê a oportunidade de não deixar a história se repetir, impedindo que mais uma criança cresça se perguntando “Que horas ela volta?”, reconstituindo o relacionamento com a filha e cuidando da sua verdadeira família.

Escolhido pelo Ministério da Cultura, para representar o Brasil no Oscar de melhor filme estrangeiro da edição de 2016, o filme não abusa de efeitos especiais, romances apelativos, comédias clichês ou de qualquer outra tática que ganha facilmente a graça do público tradicional do cinema. Ele é simples e direto, deixando um recado muito bem dado à sociedade brasileira.

Crédito: Bárbara Pereira e Jessica Natsumi Watanabe Romer

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